ThiagoEu tinha 20 anos na época que o primeiro sintoma apareceu: sangramento. Foi muito simples. Voltando do cursinho pré vestibular que eu fazia junto de um amigo meu, fomos jogar bilhar. E no meio da noite tive uma vontade leve de ir ao banheiro. Saiu muito sangue, o que me assustou bastante.v No dia seguinte o sangramento continuou. Fiquei sem comer com medo de piorar. Eu estava extremamente constirpado e decidi ir ao pronto socorro.

Lá fiz alguns exames, como endoscopia e toque. Colhi sangue. E saí de lá com uma receita de remédio para gases.

Os meses foram passando e os sintomas foram aumentando.

Sempre joguei futebol, fazia academia e muay thai. E percebi que meu rendimento estava caindo. Cansava mais que o normal. Ajudou o fato que eu comia muito mal e dormia também muito mal. O tempo foi passando e eu já estava acostumado com a dor que era de ir ao banheiro. Simplesmente deixava os sintomas de lado e ia levando a vida.

Trabalhava normalmente e praticava esportes.

Foi em 2009 que algo realmente mudou. Fui no banheiro e vi que sangrou como nunca antes, além de ter aparecido um plicoma, como descobri no mês seguinte com o resultado de uma colonoscopia que fiz.

Decidi então procurar um médico numa clínica particular. Ele me receitou uma pomada. Joguei a pomada de lado. Não usava. Desse ano em diante cada parte do meu dia, da minha rotina era afetado pelos sintomas. Não parava de ir ao banheiro. Dores de barriga. Sangramento.

Fui mais uma vez no médico, e o bendito me receitou a mesma pomada e falou para eu fazer um tal de banho de assento. Eu achei um absurdo aquilo (Mas hoje faço 3 vezes ao dia. Poderia fazer mais) e nem comprei a pomada, tinha uma cheia ainda em casa.

A pior parte dos sintomas é que eu me achava um sujo. Não parava de ir ao banheiro. Era um constrangimento nas empresas que eu visitava. Qualidade de vida estava totalmente baixa. Eu nem ligava para dores. Tinha acostumado a ela. Mas o fato de não sair do banheiro acabava comigo.

Aguentei até onde deu. Já não fazia academia e mal jogava futebol.

Em 2014 eu passei num doutor na rede pública. Cheguei na sala dele todo curvado de dores na barriga.

Naquele dia mesmo eu tive até então a maior dor da minha vida. Não foi causada pela colonoscopia feita sem anestesia ou qualquer coisa para me apagar, fiz ela acordado. Loucura. Mas doeu muito mais quando ele disse que ia esperar o resultado mas tinha praticamente a certeza de que eu tinha Doença de Crohn. Eu conhecia ela na época por que um conhecido meu sofria dela também e ele sempre estava muito mal.

Depois de uns dias o resultado se comprovou. Ele me receitou um antibiótico e me encaminhou para passar com um especialista que atendia em um hospital de guarulhos.

O medicamento me ajudou um pouco. Ele era bastante forte.

Depois de alguns meses eu já estava com a medicação biológica, tomando a aplicação quinzenalmente. Foi absurdo o resultado. Eu estava quase sem dores! Foi uma reviravolta no meu quadro. Mas infelizmente eu sou burro. Eu bebia bastante naquela época, continuava a me alimentar mal. Com a mesma rapidez que eu fiquei melhor, eu caí em queda livre. Piorei de uma tal forma que em um mês eu já não conseguia sair da cama, do sofá. Só ficava deitado. Pra complicar eu tinha perdido o retorno com o doutor por preguiça minha, então nem tinha data nem nada de retorno. Fiquei agonizando no sofá por dias. Era terrível. Num dia bom eu ia por volta de seis vezes ao banheiro. Não consigo descrever a dor que sentia. Não conseguia comer por medo de ir ao banheiro. Fui perdendo peso. Muito peso. Eu passava o dia deitado no sofá. E a sala tinha um cheiro de doença horrível. Uma tia minha que não me via a algum tempo foi em casa e se assustou com minha situação. Na mesma semana fui levado até a clínica particular do doutor, já que eu tinha perdido o retorno com ele no hospital.

Quando ele bateu o olho em mim já me disse que iria me internar. Isso foi em uma segunda. Na quarta de manhã eu já estava na cadeira de rodas esperando meu irmão resolver a situação da internação, para poderem me levar para o quarto. É bem confuso na minha mente esse dia, pois eu estava delirando já. Lembro que deitei no leito e o soro e medicação entraram.

ThiagoOs próximos dias foram terríveis. Era impossível comer. Impossível ir ao banheiro. Eu não conseguia sair da cama, mas tinha que fazer seis vezes o tal do banho de assento por dia. Era uma tarefa impossível. Os dias foram se arrastando. Eu imaginava que ia ficar uma semana apenas, e um ciclo de antibiótico faria efeito. Passou nem perto disso. Depois de uns dias fiz a primeira fissurectomia. Colocaram um sedenho em mim para drenagem do pus. Nada resolvia eu pensava. Trocaram os antibióticos, fiz limpezas cirúrgicas, e tudo só piorava. Sentia cada segundo do dia, cada segundo era doloroso. Não conseguia ler mais, olhar o celular, conversar com as pessoas. Eu não tinha mais concentração para nada. Apenas ficava deitado ou me arrastava pro banheiro. A dor que eu sentia estava além da minha compreensão. Apenas dormir não era suficiente eu esquecer dela, pois nem dormir eu conseguia mais. Era um pesadelo.

Um dia, o doutor comunicou que faria mais uma limpeza cirúrgica e se ele achasse que não tinha mais o que fazer, ele teria que ir até a ultima consequência: Colostomia.

Desci para o centro cirúrgico em um final de tarde.

Acordei no outro dia com uma bolsa colada no meu abdômen. Era um estoma.

Essa cirurgia eu posso dizer que fez a diferença total para minha recuperação. Posso arriscar em falar que ela salvou a minha vida ali. Mas posso falar isso hoje, depois de um ano de recuperação, por que na época isso foi um inferno.

Depois dessa cirurgia ainda fiquei algumas semanas internado. Minha mãe me ajudava durante a noite , todos os dias no hospital. A dor tinha enfim acabado, mas meu corpo estava muito fraco. Tinha perdido de setembro até o começo de novembro aproximadamente trinta quilos. Estava fraco demais, para andar, comer ou falar. Mas fiquei melhor para receber alta.

Minha recuperação foi muito lenta. Em casa os pontos da cirurgia no abdômen estouraram. Eu olhava no espelho e ali estava um cadáver aberto me olhando de volta. Meu irmão me levantava da cama. Do Sofá. Me ajudava tomar banho e me vestir. Eu lembro hoje que naquela época eu não acreditava mais que iria me recuperar e voltar a viver como antes. Eu pensava "Poxa, já cheguei a disputar campeonatos pequenos de futsal aqui na cidade e hoje em dia não consigo vestir minha roupa sozinho?". Isso foi até março de 2016. Quando a quarta dose do medicamento biológico novo para mim começou a fazer efeito.

Ainda bem que o tempo passa. Era difícil acreditar nisso quando meus familiares iam me visitar no hospital e falavam: "O tempo passa, Thiago...", ou a própria equipe que cuidou de mim no hospital falava sobre o passar do tempo. Tive muitos conselhos pela parte religiosa quanto pela família. Hoje todos se provaram válidos. E eu agradeço.

Muitas pessoas costumam falar sobre qualquer problema ou doença: "Não fica assim, pois tem pessoas piores que você". E realmente tem. Mas a pior dor do mundo é aquela que você está passando no momento, não importa a intensidade, desde que ela te atrapalhe a viver.

Hoje, com 28 anos, enquanto escrevo esse texto fazem alguns dias que o doutor, em um retorno trimestral, me liberou


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